sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O diretor Edu Gaspar importa ideias da Inglaterra e revoluciona futebol do Corinthians

Homem forte do futebol do Corinthians, Edu Gaspar, provoca dúvidas. Ele veste roupas finas e se comporta com simplicidade. Usa palavras como 'scout' e 'investimentos de risco' e abusa das gírias dos jovens paulistanos. Frequenta um curso de especialização em futebol na renomada Fundação Getúlio Vargas e fala com propriedade sobre o assunto, mas não encerrou o Ensino Médio.

E a personalidade dúbia de Edu parece ser justamente o segredo do seu sucesso à frente do cargo de gerente do clube mais vitorioso do futebol brasileiro nessa década. Outros dois ex-jogadores corintianos passaram pela mesma vaga e não tiveram sucesso. Edu topou a aventura e desde março de 2011 tem prosperado.

Cheio de ideias vindas da Inglaterra, aonde viveu por quatro anos enquanto foi atleta do Arsenal, o ex-volante de apenas 34 anos conseguiu revolucionar a forma de ver o futebol no Corinthians. Com números, vídeos, relatórios e muitas reuniões, ajudou o time paulista a se tornar um modelo na contratação de jogadores. A metodologia de trabalho de Edu é quase científica, mas ele não deixou a paixão com que conquistou a Fiel nos tempos de jogador de lado agora que atua no campo dos engravatados. 

O campeão mundial de 2000 se “arrepia” quando viaja pelo exterior para representar o Corinthians em conversas sobre o segundo Mundial da história alvinegra e defende com unhas e dentes que o time do coração pode, sim, levantar a taça de melhor time do planeta em dezembro. Ao mesmo tempo, avisa que o Chelsea, principal ameaça ao bicampeonato corintiano, não vai ao Japão para brincadeira. “Eles querem alcançar o Manchester United.”

O Chelsea, os planos do Corinthians para o ano que vem, o dia em que implorou para não levar mais gol do Barcelona de Messi e quase acabou brigando com Xavi e os motivos do entrevero com Mano Menezes foram alguns dos temas da conversa de Edu com o ESPN.

Lucas Borges: Sobre seu começo como dirigente do Corinthians: o Antônio Carlos foi o primeiro a assumir esse posto, teve alguns problemas, a história de Presidente Prudente [foi flagrado em um prostíbulo com o então atacante Ronaldo]. O William não se deu bem. Você sentiu que era um grande desafio, não sentiu em nenhum momento que poderia fracassar? O que te motivou?

Eu gosto muito desse lado fora de campo, quando jogava me metia em algumas coisas paralelas ao futebol. Sempre procurei saber nos clubes em que eu jogava como era a estruturação das equipes, o esquema dos presidentes, se tinha CEO. 

O Arsenal tinha uma maneira diferente. Sempre gostei por curiosidade minha mesmo e achava legal um cargo como esse dos executivos. Aí veio o convite do Andrés, achei legal na hora. Me lembro que ele me ligou 10h da manhã, eu estava até no escritório, fazendo minhas coisas, e do jeitão dele ‘quer vir, tal’. 

Na hora fiquei supercontente pelo convite. E ao mesmo tempo saía aquela empolgação e vem aquilo... 'Putz grila', é uma responsabilidade grande. Eu tinha uma vantagem perante a todos que vieram, eu conheço muito o cube. Conheço a política do clube, desde lá de baixo, como funciona, as coisas que acontecem no dia-a-dia. Isso para mim acho que foi uma vantagem. 

Encarei como desafio. Na conversa falei ‘quero ver se vou me adaptar ao cargo, se realmente vou gostar do que vou fazer e se você vão gostar do meu trabalho. Me dá um ano aí’. Agora já renovei o contrato e está indo bem, graças a Deus.

Você falou que conhece o clube muito bem. Mas mudou muita coisa. Como foi seu primeiro ano? Você se surpreendeu com muita coisa, está satisfeito com o que fez?

Falei para o Andrés, para o Duílio e para o Roberto de Andrade, que me contrataram na época, que precisava de um tempo de adaptação. Preciso saber das necessidades, o que tem, o que não tem, o que posso fazer, quais são as necessidades e conhecer o clube, como conversar com as pessoas  como falar pouco, a importância de cada um, não se colocar como o cara aqui dentro. Isso me ajudou a me adaptar rápido. E aí começa a colocar suas ideias pouco a pouco. 

Vi que o futebol precisava de muita coisa nova em termos de ferramenta para o treinador, para mim mesmo, como eu poderia controlar o grupo melhor. Minhas ideias de montagem de elenco também é uma coisa importante. Acho que a gente deu um salto legal em termos de organização, não pelo Edu, o departamento em si ajuda muito. 

Faltam algumas coisas que acho bacana ainda para colocar dentro do departamento. Só que por entender o clube acho que tem que ser aos poucos. Fiz um sistema novo para a gente discutir internamente as contratações, antigamente não tinha isso aqui. Hoje a gente contrata muito em cima das necessidades. Não é ninguém que apresenta o atleta ao clube, é o clube que vai atrás das necessidades que tem.
Mas ainda continuam chegando empresários com jogador?

Chega, isso a gente respeita porque isso é a dinâmica do futebol. Mas dificilmente a coisa acaba dando certo, porque a gente trabalha muito em cima da necessidade. Encontro dentro do grupo necessidades da caraterística do atleta, o que o Tite gosta e a gente vai no mercado ver. Eu falo com toda comissão técnica internamente, a gente faz uma reunião, comenta alguns nomes que gostamos. 

A partir daí divido informações em vídeo, cada um leva um 'pen drive' para casa e eles passam um relatório para mim sobre o que acharam. Vamos supor que estou falando de você: só que eu levo um 'pen drive' para casa, ele leva outro, outro leva outro, só que de jogos diferentes, de situações diferentes dos jogos. Aí faz um relatório, se reúne de novo, cada um fala sobre o que achou. Começa a afunilar e de repente aparecem dois nomes. 

Agora vamos intensificar esses dois nomes. Aí começa a ir mais um pouco além, vê o custo do cara, e eu começo a passar para o Roberto e para o Duílio que cuidam dessa área financeira também. Esse sistema é muito importante para nós, mas acho que nisso daí posso dar um salto ainda em termos de qualidade desse departamento. Eu gostaria, tenho a ideia, já passei para o Roberto, já entrevistei pessoas, de ter um departamento de 'scout' aqui dentro, como é nos clubes na Europa. 

Todos na Europa têm um departamento de 'scout'. Gostaria, já estou bem adiantado quanto a isso. Nenhum clube do Brasil tem um sistema como esse e é extremamente importante. São coisas que você vai pouco a pouco, porque gera custos para o clube. Mas dessa maneira interna, sem custos, sem nada, acho que está dando certo.

Paulo Silva Jr.: Você acha que se contrata ainda muito no risco no Brasil? O Corinthians talvez não faça mais tanto isso?

Minha ideia o que é? Tenho que minimizar o risco que a gente pode ter. Porque o risco está aí. O atleta pode ser um baita atleta no time do interior, mas chega aqui e não se adapta. 

Mas como posso minimizar meu erro? Encontro ferramentas para isso, com informações, estando acompanhando de perto, não aquele cara 'ah, aquele jogou bem, vamos trazer para cá'. Não, a gente tem que ver o comportamento do atleta, que hoje é extremamente importante para o nosso grupo ter uma unidade legal.

Isso com base em informações de outros jogadores?

Temos mais ou menos alguns passos. A gente tem um sistema que primeiro vê o que o cara fez nos três últimos anos. Se o cara jogou os 90 minutos direto, se saiu, se foi substituído muitas vezes, tomou muito cartão amarelo, fez muito gol. E por ai eu começo, depois intensifico. Pô, tem uns caras que estou vendo que estão vindo bem, mas passou um período bom do campeonato sem fazer nada. 

Antes, o cara saia muito, não jogava. E eu não quero essa característica, quero o cara que que já vem jogando, com o histórico legal para vir para cá. Depois disso, a gente começa a ver vídeos, acompanhar de diversas maneiras. Ai começa um pouco mais as informações informais, que você liga para um treinador que trabalhou com o cara, você liga para um jogador que jogou com ele para saber como é o comportamento do cara. 

E você vai falando, 'pô, esse daí me interessa'. E quando você vai vendo, você vai tirando um da lista, vai caindo, vai caindo e chega uma hora que afunila, que é a hora mais importante, que é ver como está o contrato do cara, se está para acabar ou não está para acabar. 

E como vocês trabalham na conversa com esses jogadores. Uma coisa é trazer o Guerrero, da Europa e da seleção peruana, e outra é trazer o Adilson, um jogador que se destacou no Estadual. Como é tratar esse jogador para também não se sentirem desmotivados.  Os jogadores de seleção, de primeiro escalão, e o que chega para compôr. Como trazer esse cara que chega para compôr o elenco e ele também não se sentir desprestigiado em relação aos principais nomes?

O Corinthians, pelo que proporciona, já faz com o que o jogador se sinta importante. Qual é nossa preocupação com esses atletas que jogam menos? Porque eu quando era atleta era aquele negócio: está jogando, está feliz, não esta jogando...Então você tem que encontrar a ferramenta para que possa motivar essa cara sempre. E o Tite faz isso muito bem. 

O Tite é muito honesto nas decisões dele, se o cara está bem vai jogar, independente de nome. Você pode ver o Alex, é um grande exemplo de uma grande contratação que ficou no banco um tempão. O Sheik ficou no banco um tempo. O Tite ajuda a motivar os atletas. A gente está sempre conversando aqui dentro, converso muito com os atletas, porque recebo o 'feedback' da comissão: como está treinando, como estão vindo. 

Se o cara está caindo de rendimento no treino, esse pessoal que está jogando menos, ai existe um bate-papo. Eu quero saber se aconteceu alguma coisa, se está bem, se aconteceu alguma coisa com a família. O Tite na verdade cobra muito intensidade no treinamento, se treina bem, o jogo é um prêmio. Se está treinando bem e jogando bem, vai continuar. 

Mas é muito difícil você sair treinando muito mal, desmotivado, dificilmente o Tite vai escalar o cara. Então os caras compraram essa ideia. Você vê a intensidade do nossos treinamentos, hoje dá gosto de ver os caras treinando firme. Mas quando chegar a oportunidade dele, meu amigo, ai é com ele. As decisões do Tite são importantes para que todo mundo se respeite. 'Se o Tite está tomando uma decisão com o Emerson, vai tomar comigo também. Esta tomando com o Guerrero, que está no banco, vai tomar comigo também'. Eles não são tontos.

Sobre esse sistema que você falou que implementou, do 'scout', deve ter sido um impacto muito grande para um clube como o Corinthians, que estava em uma outra área. Você deve ter tido uma certa dificuldade para chegar com essa ideia nova?

Pô, foi totalmente o contrário. Sempre que eu ia falar uma coisa nova, que achava legal, porque você vai colocando aos poucos, não que chega, 'rapaziada, agora vamos fazer isso'. Você chega um dia, dá um 'pen drive' para um. Não tem jeito, tem que ir aos poucos, porque é muita informação de uma vez só. 

Como seguir os clubes contrários, como seguir nosso time, como cobrar os atletas também, temos ferramentos que mostram se o atleta está evoluindo ou não. Mas toda vez que eu falava com os caras, eles falavam, 'putz, Edu, que legal, graças a Deus'. Porque eles gostam também. Fico feliz também por eles me darem esse respaldo e respeitar isso. 

Mas essa coisa da relação do clube com o empresário de certa forma ainda resiste. Se você pega o Carlos Leite, ele tem uma influência grande aqui. Trouxe muitos jogadores e muitos deles tiveram sucesso. Ainda é importante ter uma relação boa?

Não tem como, é cultural isso dai. E eles [empresários], uma coisa que as pessoas não podem esquecer, são importantes para os clubes. Nós temos o exemplo de quando o Corinthians caiu para a segunda divisão e voltou para a primeira, ninguém queria investir R$ 1 dentro do Corinthians. 

E o Corinthians também não tinha recurso para ficar investindo em grandes atletas. Aí vai para o mercado, encontra investidores, cara que aposta, 'vou ajudar o clube'. Então, em certos momentos do ano você pega o caixa do clube meio 'tem ou não tem', mas você está necessitando de um atleta com uma característica e aparece uma baita oportunidade  com o cara acabando o contrato, dentro daquilo que necessitamos. 

E aí? Aí que vale a pena a gente entrar em contato com os investidores, interessa, não interessa, eu compro uma parte, você compra outra. Isso tem que respeitar, porque muitas vezes eles são importantes também.

E ao que você acha que se deve essa grande transformação no Corinthians? Comparando com o tempo que você jogava, por exemplo, imagina você assumindo esse cargo em 1999, 2000? como você compararia esses dez anos de diferença, a tranquilidade que o cara tem para por exemplo mudar o sistema de contratação... Você acha que naquela época seria mais complicado?

É tecnologia, né, meu? Não sei, porque naquela época eu era tão molecão também, não pensava muito. Mas era diferente, o clube em si tinha uma estruturação um pouco diferente. Hoje eles contratam um executivo, me contratam para isso. Isso antigamente não tinha, aquele cara que acompanhava o futebol, que estava preocupado com o elenco. 

'A idade do elenco está avançada, vamos precisar contratar uns caras mais novos para vir por trás'. Tem de ter uma visão de um cara que vive futebol, que conhece futebol, que está ali no dia-a-dia. Com todo respeito a todos os diretores, obviamente, que são caras extremamente importantes no clube. 

Hoje eu tenho dois superiores que são 'top', que me ajudam muito, que são Roberto e Duílio, que têm essa cabeça. Não sei se antigamente eles tinham essa cabeça, de profissionalização do setor mesmo. Tem de profissionalizar isso, cara. Você está mexendo com um investimento altíssimo. 

Não pode estar errando em contratação. Tudo bem, pode errar uma ou outra. Mas errar em montar um time que contratou três, quatro, seis caras ruins, onera o clube e hoje o clube tem essa consciência de que tem que ser profissional. 
Fonte:



Entrevista com Edu Gaspar:

Primeira Parte:
O diretor Edu Gaspar importa ideias da Inglaterra e revoluciona futebol do Corinthians

Segunda Parte:
Edu Gaspar admite, que Chelsea quer ganhar para alcançar o Manchester United.

Terceira Parte:
Edu Gaspar tem histórias de sobra para contar daqueles tempos em que que atuou no futebol europeu por Arsenal e Valencia

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