Motivo de chacota dos adversários pela falta de títulos internacionais de expressão até o ano 2000, o Corinthians passou a viver uma verdadeira obsessão para tornar seu nome conhecido no exterior e chegou a contratar um jogador chinês com tal finalidade. No entanto, ironicamente o time do povo tem suas origens nofutebol internacional. Mais precisamente, em Tolworth, subúrbio de Londres e sede do Corinthian-Casuals Footbal Club. Pela ligação histórica com o Timão, a matriz inglesa promete torcer contra os compatriotas do Chelsea em caso de confronto pelo título no Mundial da Fifa-2012.
“O Chelsea era um clube comum na minha época e, quando o dinheiro apareceu, começaram a contratar estrelas. Mas eu vou torcer pelo Corinthians, é como se fosse um dos meus times”, disse à GE.Net Brian Vandervilt, chefe do comitê executivo dos Casuals. “Tenho uma ligação com eles, porque são diretamente conectados com o meu clube e acho bem possível que vençam, o Chelsea é vencível. É um time que joga de uma forma defensiva bem forte, mas se algo der errado nisso, a equipe cai”, acrescentou o dirigente.
Fundado em 1882, o Corinthian era um dos principais clubes de futebol do mundo e cedia a maioria de seus jogadores para a seleção amadora da Inglaterra, que costumava enfrentar a Escócia nos primeiros amistosos de que se tem notícia. Em 1894, venceu o Manchester United por 11 a 3 na maior derrota da história dos Diabos Vermelhos e, a partir de 1902, influenciou o Real Madrid a jogar de branco. Rapidamente, o time londrino ganhou fama internacional e fez uma viagem que mudou a história da modalidade no Brasil.
Entre agosto e setembro de 1910, o Corinthian venceu os seis amistosos que disputou em território nacional a convite do Fluminense, goleado por 10 a 1. Impressionado com o desempenho dos ingleses, o pintor Joaquim Ambrósio sugeriu que o novo time de futebol da cidade de São Paulo se chamasse Sport Club Corinthians Paulista (com a letra "s", diferentemente de sua fonte de inspiração). O nome venceu a concorrência de outros, como Santos Dumont e Carlos Gomes, durante a famosa reunião sob a luz de um lampião, na esquina entre as ruas José Paulino e Cônego Martins, na noite de 1º de setembro.
Enquanto o clube paulista crescia, o Corinthian entrou em decadência na medida em que não conseguiu se encaixar no contexto da profissionalização do futebol britânico. Em dificuldade, a equipe chegou a se fundir com o Casuals, fundado em 1883, na década de 1930, o que não impediu a perda gradual de status. Se a Fiel pensa em conquistar o bicampeonato do Mundial da Fifa, algo inédito no Brasil, os poucos torcedores da matriz precisam provar sua fidelidade durante a disputa da Primeira Divisão Sul da Isthmian League, equivalente à sétima divisão do futebol inglês.
Na temporada 2011/2012, período em que o Sport Club Corinthians Paulista vivia um de seus melhores momentos, o time londrino terminou o torneio na 13ª colocação entre os 22 clubes inscritos. “Creio que seria um grande feito permanecermos na mesma liga em que estamos, porque é um nível bem alto e somos os únicos amadores jogando contra profissionais. Parece promissor no momento. Temos alguns jovens jogadores aparecendo, eles parecem bem promissores, mas precisam de experiência”, explicou Vandervilt.
Na visita que fez ao King George’s Field, a GE.Net encontrou os portões fechados. Pelo telefone, o chefe do comitê executivo do clube simplesmente passou a combinação do cadeado numérico e deixou a reportagem á vontade para circular pelo acanhado estádio. Com capacidade para aproximadamente 250 pessoas, 0,36% do Itaquerão, palco da abertura da Copa do Mundo-2014, o campo é rodeado por uma baixa cerca de madeira. Em um cenário bucólico, as árvores do terreno que abriga a sede do clube recebem alguns esquilos que vivem no parque vizinho.
Um dos maiores clubes do mundo na época do amadorismo,
o Corinthian tem um estádio acanhado em Londres
Em uma mesma construção, localizada atrás do pequeno estádio, dividem espaço vestiários, bar, cozinha, sala de troféus e uma espécie de salão de bailes. No acervo histórico do clube, há uma medalha e uma flâmula alusivas ao Corinthians, então com três estrelas acima de seu símbolo, além de uma taça referente ao histórico amistoso disputado no dia 5 de junho de 1988. Em um domingo, no Pacaembu, ex-jogadores como Rivellino, Cláudio Pinho e Domingos da Guia, comandados por Oswaldo Brandão, técnico no Paulista de 1977, venceram o Casuals com gol de Sócrates, que jogou dos dois lados.
Mais de 100 anos depois de excursionar pelo Brasil e inspirar os criadores do Corinthians, o time londrino recebe maloqueiros e sofredores em peregrinação. “Nós temos um fluxo contínuo de brasileiros. A cada semana, eles vêm, tiram fotos e compram nossas camisas. Todos os fins de semana temos alguém por aqui e isso dá algum dinheiro. É muito bom, porque somos um time amador, sofremos muito financeiramente e vivemos de semana em semana. As pessoas vêm aqui por conta da origem e isso é algo maravilhoso. Não estou sendo mesquinho”, declarou Vandervilt.
O Sport Club Corinthians Paulista enfrentou o Corinthian-Casuals Footbal Club pela última vez em 2001 e venceu por 9 a 0. Em 2010, chegou-se a estudar a possibilidade de um novo encontro para comemorar os 100 anos do Timão, mas o amistoso não foi realizado, o que deixou os ingleses frustrados. “O clube nos falou sobre a celebração do centenário, e depois recuou. Não sei se eles sabem dos nossos problemas financeiros, só acho que é uma pena não ter dado certo. Eles nos decepcionaram bastante”, lamentou Vandervilt.
Bruno Ceccon/Gazeta Press
O time joga com uma exótica camisa marrom e rosa
Nos últimos anos, o elo entre os dois irmãos foi reforçado pelo jornalista e escritor Rob Cavallini, autor de uma série de livros sobre o Corinthian-Casuals. Formado em Finanças, ele começou a trabalhar no clube há 12 anos e administrou diferentes setores da instituição. Na época em que viveu em São Paulo, chegou a abrir um pub e ganhou o apelido de “Gringo” ao acompanhar caravanas da Gaviões da Fiel de ônibus até para o exterior. O inglês voltou a morar em Londres, mas pretende torcer pelo Timão contra o Chelsea de perto.
“Vejo os jogos pela Internet e estou planejando viajar para o Japão. Acho que o Corinthians fará um bom papel contra o Chelsea, são dois times difíceis de serem vencidos. O Chelsea não assusta tanto quanto o Barcelona ou o Real Madrid”, disse Cavallini, que tem ojeriza aos fãs do time financiado pelo russo Roman Abramovich. “Os torcedores do Chelsea são de plástico. Eu procuro evitá-los. Antes de o clube ter dinheiro, nem tinha torcida. Se a equipe começasse a perder, eles desapareceriam. Chegam ao estádio com 15 minutos de jogo e saem mais cedo para evitar o trânsito, o que significa que não são verdadeiros torcedores”, criticou.
Já Brian Vandervilt, apesar da frustração pelo amistoso não realizado em 2010, oferece dicas para o Corinthians justificar os versos de seu hino no Mundial e figurar entre os primeiros do esporte bretão. “Eles precisam aguentar firme pelos primeiros 30 minutos e em seguida partir para o ataque o máximo que puderem. Precisam jogar seu jogo pela primeira meia hora para diminuir a pressão”, orientou o chefe do comitê executivo do Casuals, ansioso com a possibilidade de ver o nome Corinthian como o maior do mundo novamente.
*Colaboraram André Sender e Helder Júnior, de São Paulo