Tite havia acabado de comprar um apartamento na Zona Leste de São Paulo – reduto de corintianos – quando foi demitido pelo Corinthians, em 2005. O técnico decidiu não se desfazer do imóvel. Após uma conversa emocionada com o então diretor Andrés Sanchez, ele ficou com a sensação de que seguiria o exemplo do bom filho e retornaria à sua casa na capital paulista. Cinco anos depois, estava de volta ao Parque São Jorge para resolver aquela pendência do passado. Ganhou o Campeonato Brasileiro de 2011 e, neste ano, a cobiçada Copa Libertadores da América.
Não foi fácil, contudo, evitar uma nova saída traumática do Corinthians. Ainda hoje, Tite tem flashbacks com a vexatória derrota para o colombiano Tolima na fase classificatória da Libertadores da temporada passada. Ele pensou que não resistiria. Acreditou, dentro de campo, que cairia junto com o time. Temeu pela segurança de sua família. Até mostrar ao lateral direito Alessandro (seu capitão na conquista da América) como vazar o goleiro Marcos (responsável por outros traumas corintianos) e assegurar uma fundamental vitória em clássico contra o Palmeiras.
Nesta longa entrevista, concedida com exclusividade para a 'Gazeta Esportiva.net', Tite rememorou com detalhes as maiores alegrias e tristezas que teve a serviço do Corinthians. A identificação com o clube e seus torcedores foi capaz de deixar o treinador com os olhos marejados em diversos momentos – mas não de fazê-lo rejeitar trabalhar por Palmeiras (já passou pelo rival em 2006 e guarda uma mágoa de 2010), São Paulo ou Santos no futuro. O fim da trajetória pelo Parque São Jorge, inclusive, está próximo. O gaúcho admitiu que dificilmente voltará a renovar o seu contrato em 2013.
Você entrou para a história como o primeiro técnico campeão da Copa Libertadores da América pelo Corinthians. Também solucionou algo que estava mal resolvido desde a sua primeira passagem pelo clube?
(Fica sério e pensativo, com o olhar vago, e só responde após 15 segundos.) O destino mostrou que sim.
Quando foi demitido, em 2005, você guardou o desejo de retornar no futuro e construir uma história diferente no Corinthians?
Confesso que eu tinha um sentimento. Não sabia quando aconteceria essa volta, mas existia a sensação dentro de mim. Eu... Adquiri um apartamento em São Paulo naquela época, só pensando em retornar ao Corinthians um dia.
É o apartamento onde você mora atualmente, na Zona Leste?
Sim. Quando comprei, ainda estava na minha primeira passagem pelo Corinthians. Não vendi durante todo esse tempo, pensando que voltaria para cá um dia.
Acha exagero dizer que a demissão de 2005 foi a mais sentida de sua carreira? No ano seguinte, você saiu do Palmeiras também de forma traumática (após derrota para o Santa Cruz e um conflito com a direção do clube, ele precisou ser escoltado por policiais para não sofrer agressões da torcida no Aeroporto de Cumbica)...
Sempre há um cunho emocional quando a gente deixa um emprego. Houve uma dificuldade no Palmeiras... Mas, voltando à demissão do Corinthians de 2005, ficou na minha memória um episódio marcante. Os pivôs da situação foram o Andrés (Sanchez, ex-presidente) e eu. Nós nos sentamos lado a lado para conversar no dia do jogo contra o São Paulo (o Corinthians perdeu por 1 a 0 no Morumbi, com gol do então são-paulino Danilo e pênalti perdido por Coelho). Pouca gente sabe disso.
O Andrés falou para mim: “Tite, se depender de mim, você é o técnico do Corinthians”. E eu sei que ele fez tudo, tudo, tudo para que eu permanecesse. Tenho certeza disso. É engraçado que o Andrés possui uma coisa, um feeling... As pessoas que o conhecem sabem que ele tem um coração enorme. Às vezes, aquele jeito impulsivo do Andrés confunde um pouco sobre a sua personalidade. Sei que ele sentiu bastante a minha saída. E, anos depois, surgiu a oportunidade de voltar para o Corinthians ao lado dele.
Não foi a única oportunidade de voltar que você teve?
Recebi um convite antes, quando estava no Al Ain. Foi em 2007, ano do rebaixamento do Corinthians. Tentei chegar até os dirigentes árabes e falar do meu interesse de aceitar aquela proposta. Tinha começado a trabalhar lá havia uma semana e conversaria com eles para ser liberado. Mas o meu auxiliar, que era árabe, alertou: “Tite, não vá falar com eles. Você está chegando agora. Eles podem interpretar o gesto de ir para o Corinthians como uma falta de hombridade, de conduta, de caráter”. Naquela época, não foi possível. Mas apareceu a chance de dar certo com o Andrés na presidência. Ele sabia que interrompemos um trabalho em 2005.
No período da sua contratação, em 2010, o Andrés citou a conversa que vocês tiveram naquele jogo contra o São Paulo, cinco anos antes?
Ele só fez um comentário: “Estava te devendo essa”. Ai eu disse: “Andrés, você nunca me deveu nada. Em todos os momentos em que estivemos juntos, houve lealdade”. Dei um abraço apertado nele. No final do último Campeonato Brasileiro, choramos juntos. Isso é lealdade.
Agora que o Andrés é diretor de seleções da CBF, você ainda mantém contato com ele?
Eventualmente. Mandamos recados um para o outro. Ele gosta de falar com a direção do Corinthians, comigo. Até vem ao CT às vezes. Ele nos visitou durante a Libertadores, esteve em um treinamento da semana passada...
Gostaria que ele estivesse com vocês também no Japão, no Mundial de Clubes?
Cabe à direção fazer esse pedido, mas é claro que sim.
A sua relação com o ex-presidente poderia ter sofrido um grande abalo no ano passado, após aquela derrota para o Tolima, na pré-Libertadores?
Senti medo de ter o meu trabalho interrompido naquela ocasião.
Pensou em pedir demissão?
As chances de eu sair eram muito grandes. Até hoje, tenho flashbacks do momento em que ocorreu o primeiro gol do Tolima. (O técnico pausa o seu discurso, outra vez com a vista distante.) Estou à beira do campo, olho para cima, vejo os refletores do estádio... Parece que tudo está se repetindo na minha frente. Acontece a expulsão (de Cachito Ramírez, que havia acabado de entrar em campo), e o time animicamente faz assim (ele sinaliza com as duas mãos para baixo). A gente sabe quando uma equipe perde as suas forças. Tomamos um gol, os jogadores murcharam, tentei mexer, e houve a expulsão. “Puta que o pariu! Puta que o pariu! Fodeu!” Passava pela minha cabeça: a derrota vai acabar com a sequência do meu trabalho. Era Libertadores. Foi apenas o primeiro jogo que perdi desde a volta ao Corinthians. O primeiro! No Campeonato Brasileiro, fizemos oito partidas: ganhamos cinco e empatamos três. Chegamos à última rodada podendo conquistar o título, em um campeonato em que... (o treinador certamente recorda os polêmicos tropeços de rivais para o então concorrente Fluminense neste instante). Bom, vou deixar de lado o que ocorreu paralelamente. Mas a gente tinha um porcentual de aproveitamento maior do que o do Fluminense, que foi campeão! Estávamos invictos no Campeonato Paulista. E fomos perder logo para o Tolima! Puta que o pariu!
O Corinthians estava bem preparado para enfrentar o Tolima?
Não houve tempo de preparação para aquela pré-Libertadores. Perdemos o William (que se aposentou) e principalmente o Elias (foi para o Atlético de Madri, da Espanha), que organizava o nosso meio-campo. A equipe ainda estava se moldando. Não conseguíamos ser competitivos fisicamente. A temporada só tinha 19 dias até então. E eu olhava para os refletores na Colômbia e... Sabe quando você fica meio aéreo? Puta, cara, não era possível. Pensei: “Fodeu tudo. Não vou continuar o meu trabalho no Corinthians”.
Quer dizer que, antes mesmo de o jogo acabar, você pensava na provável demissão?
Sim. Passa um turbilhão de coisas na sua cabeça em horas assim. O primeiro sentimento é o de notar que a equipe não consegue reagir. Nosso time estava derrotado dentro de campo. Poderia acontecer uma reformulação a partir de então.
Como foi a conversa com o Andrés Sanchez desta vez?
O Andrés entrou na minha sala, com aquele jeito característico dele, um dia depois que a gente voltou da Colômbia. Não conversamos antes porque era necessário respeitar o sentimento de todo mundo. Depois de uma eliminação como aquela, não há nada para falar. O ambiente do vestiário pós-derrota é muito pesado. Qualquer ato ali vai ferir ainda mais os envolvidos. Se eu critico um atleta depois de uma derrota, vou estar fodendo com ele ao invés de melhorá-lo. É preciso elaborar os sentimentos antes de conversar.
Então, você foi dormir pensando que sairia do Corinthians. Até conversar com o Andrés?
Pensei, sim. Não só na primeira noite, como nas seguintes. Só tive um pouco de certeza sobre a minha permanência quando o presidente entrou na minha sala, com aquele jeito dele, e gritou: “E aí? Como é que está?”. Respondi: “Pau dentro, presidente!”. E ele: “Então, vamos embora! Vim aqui para dizer que a Libertadores já acabou. Vamos ver o que está errado, modificar e voltar a ganhar. Temos um clássico pela frente agora”. É claro que ninguém conseguia dormir direito ainda, mas sabíamos que só o trabalho resolveria os nossos problemas. Não adiantava ficar de braços cruzados.
E não era qualquer jogo que você tinha pela frente.
Era contra o Palmeiras, o nosso maior rival! Não sabia como seria a reação dos jogadores no clássico. Apesar de que o Andrés cheira vestiário... Ele enxerga bem atrás do muro. Convivendo ali dentro, ele sabe onde há trabalho e onde há conversa-fiada. Por minha vez, eu sabia que ele tinha consciência sobre o meu potencial, mas também que precisava mostrar resultados.
Aquela vitória sobre o Palmeiras foi chave para o sucesso do Corinthians do Tite?
O desempenho era chave. Precisávamos jogar bem, sem desespero, sem ter um cara expulso, sem errar passes em demasia. Tínhamos que fazer um jogo consistente e efetivo, embora mais conservador. Na oportunidade que teve, o Alessandro fez o gol da vitória. Houve até um fato curioso de que fiquei sabendo depois. Como o Marcão foi meu goleiro, avisei os atletas antes da partida contra o Palmeiras: “Não adianta finalizar no alto. O Marcos tem uma grande envergadura e sai bem do gol. Com o braço esticado, ele cresce e tampa toda a meta. A única chance que temos é meter a bola no chão. A única!”. Aí, o nosso assessor de imprensa conversou com o Alessandro – que nunca me contou essa história – e descobriu uma coisa curiosa. O Alessandro disse para ele: “Quando fiz a tabela e saí à frente do gol, só passavam pela minha cabeça as palavras do homem: bate no chão, bate no chão, bate no chão!”. Isso ficou ecoando na cabeça dele. Ele bateu no chão, e a gente ganhou o jogo. Foi importante para amenizar aquela dor que tivemos anteriormente contra o Tolima.
Amenizou também os protestos da torcida. Houve uma manifestação violenta aqui, no CT.
Não gosto de generalizar. A torcida do Corinthians é formada por 35, 40 milhões de pessoas. Apenas alguns torcedores atípicos fizeram aquilo. Eles não representam a torcida do Corinthians. A nossa verdadeira torcida pode ter ficado chateada comigo e me mandado para o quinto dos infernos, para a puta que o pariu. Mas, no CT, aconteceram atos de vandalismo que fogem da alçada do esporte. Não levo aquilo em consideração.
A violência não fez você nem sequer repensar a sua continuidade no Corinthians?
A única coisa que me levaria a deixar o clube seria uma ameaça à integridade física da minha família. Se acontecesse alguma coisa do tipo em algum momento, que fosse verdadeira, eu não estaria aqui hoje. É um preço que não pago. Pressão em cima de resultados, exposição pública e críticas? Tudo bem. Passou daí, não.
Mas foram poucas as vezes em que você foi alvo de críticas mais fortes desde aquela eliminação para o Tolima. Acha que acabou com o perfil do corintiano sofredor? O último momento de grande sofrimento ocorreu contra o Vasco, ainda pela Libertadores.
Todos os grandes clubes atravessam fases distintas. Nosso trabalho faz com que as coisas possam ser um pouquinho menos dolorosas, com confiança. Existem alguns chavões no futebol brasileiro: o Flamengo ganha com o coração; o Grêmio resolve na raça; o Internacional tem o brio do gaúcho; o Palmeiras, a história de superação; o Fluminense passa raspando; o Atlético-MG conta com a torcida que apoia até o último momento... As coisas são dessa forma porque o nível de enfrentamento é muito alto. Quando fazemos um trabalho consistente, como o do Corinthians, conseguimos sair um pouco do lugar-comum. Na nossa final contra o Boca Juniors, existia um sentimento muito forte de confiança no Corinthians. Senti isso até por parte dos jornalistas, pelo jeito que as perguntas eram feitas. A torcida também acreditou. Isso é algo que passa de dentro para fora, de fora para dentro. A gente criou uma sintonia com o torcedor. Se nosso time estiver mal, a torcida não terá mais dúvidas do poder de reação.
Você deve ter recebido muitas demonstrações de carinho por ter construído esse Corinthians vitorioso, campeão da América. Quais foram as mais marcantes?
Dois casos me marcaram. O primeiro é de uma senhora, cuja filha de sete ou oito anos foi cativada por mim de alguma forma. Na saída de um jogo, logo antes da minha renovação de contrato, essa mulher me abraçou, me beijou e começou a chorar, dizendo: “Pô, Tite, a gente nunca vai esquecer de ti”. Foi um pouquinho antes de o meu compromisso com o Corinthians ser prorrogado. Tipo assim: independentemente de seguir ou não no clube, eu estaria para sempre nos corações daqueles torcedores (o técnico fica com os olhos marejados neste momento). Aquilo me assustou. A senhora falou de uma forma tão, tão... E chorou. Fiquei muito emocionado.
E o segundo caso?
Eu estava no elevador, e entraram um homem e seu filho de sete anos. O pai disse para mim: “Cara, meu menino te acompanha, ouve tudo o que você fala. E nem corintiano é!”. Vocês estão vendo: às vezes, a gente não tem noção da figura pública que é, do que representa para as pessoas. Não acompanho tudo o que sai na imprensa, pois prefiro me dedicar à minha família e não enlouquecer, mas percebo o quanto a mídia bomba! Como eu saberia que poderia ter influência na vida de um garoto e gerar carinho para ele? É um impacto muito forte.
Por essas e outras, está muito difícil desassociar a sua imagem do Corinthians. Podemos afirmar que você não voltará a trabalhar em um rival do clube?
Está difícil desassociar agora. Mas, se a gente olhar para trás, tive essa mesma empatia com Grêmio. Também com o maior rival, o Internacional. Foram dois clubes com que me identifiquei. No Rio Grande do Sul, ainda fiquei dois anos no Caxias.
As conquistas do presente não tornaram a ligação com o torcedor do Corinthians mais forte?
Sim. O Corinthians ecoa muito. É diferente. Em qualquer cantinho do País, há um grande apelo popular. Isso é inigualável.
Ainda assim, você dirigiria um rival paulista.
Pode acontecer. Depois de passar dois anos e meio no Grêmio, achava muito difícil ir para o Internacional. Isso só foi acontecer cinco anos depois.
Mas aconteceu.
Aconteceu. E eu me orgulho muito de ter conquistado três títulos gaúchos por três clubes diferentes: Caxias, Grêmio e Internacional. Sou querido pelo torcedor do Caxias, pelo gremista e pelo colorado. Isso me fascina. O que eu quero dizer é que, se for trabalhar em um rival do Corinthians, não será assim que sair daqui. Não vou faltar com respeito à entidade. Portanto, acho muito difícil – ou melhor, impossível – sair do Corinthians e permanecer em São Paulo.
O Corinthians é o clube com o qual você mais se identificou?
Acho difícil dar essa resposta. Ficaram as marcas de um título invicto de Libertadores, torneio que há muito tempo era desejado, de um Campeonato Brasileiro, com enorme grau de dificuldade. Nossa! A dimensão é muito grande, cara. Às vezes, você olha para trás e se assusta ao mesmo tempo em que se orgulha.
Essas conquistas te credenciam a ganhar um espaço no Memorial do Corinthians, no Parque São Jorge?
Eu, eu... Não é porque concordo com essa identificação com o Corinthians que vejo as coisas dessa maneira. Não sou individualista. Prefiro enxergar um grupo vitorioso. Fomos campeões da Libertadores com o time mais disciplinado do campeonato. Todos os funcionários do Corinthians, e não só um, tiveram capacidade técnica, competitividade e amizade para vencer. O reconhecimento pessoal não me fascina. O que me satisfaz é a conquista coletiva. Gosto muito do que um time pode proporcionar a uma coletividade de pessoas. Admiro a satisfação de um torcedor que vai ficar mais feliz com o sucesso de sua equipe, que almoça junto com a família alegre por isso, faz um carinho no filho, brinca em uma roda de diversão mais contente, namora melhor... E, quando falo em namorar, falo em foder! O cara vai foder melhor porque o Corinthians ganhou! Isso é uma coisa do caralho, cara! E não aquele negócio de torcer para que os outros se fodam! A satisfação é sua, sem ter inveja dos demais. Quanta coisa legal o nosso título da Libertadores não gerou? Foi lindo. E eu participei disso tudo.
O torcedor do Corinthians torce mais pelo bem do seu time, ao contrário de outros, que priorizam o fracasso de um rival?
O que posso dizer é que senti muito orgulho de ser técnico do Corinthians quando fomos jogar contra o Bahia e vi a torcida vibrando quando fizemos 1 a 0, apoiando no momento em que tentamos buscar o segundo gol e também depois de levarmos o empate (uma derrota corintiana prejudicaria o rival Palmeiras na luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro). Tentamos ganhar de todas as formas. A gente se cobrou. O melhor em campo foi o Marcelo Lomba, goleiro adversário.
Você tinha receio de que a torcida do Corinthians agisse de outra forma? Que torcesse pela derrota do seu time, como ocorreu com os públicos de São Paulo e Palmeiras em 2010 (a equipe de Tite disputava o título nacional com o Fluminense)?
Existia uma expectativa em relação ao comportamento dos torcedores. Daqui a pouco, eles poderiam ser insensíveis conosco. Mas a torcida do Corinthians não foi assim em nenhum momento. Ela incentivou e vibrou a cada lance. Tomamos um gol, e ela começou a cantar o hino do clube. O comportamento foi igual ao dos outros jogos.
Bem diferente do que fez a torcida do Palmeiras em 2010?
Não quero comparar. Só estou pegando um exemplo positivo. Houve também o caso do Marcelo Portugal Gouvêa, ex-presidente do São Paulo, que foi muito grande em sua atitude (em 2004, o time do Morumbi venceu o Juventus por 2 a 0 e evitou o rebaixamento do Corinthians para a Série A-2 do Campeonato Paulista). Eu não estava aqui na época – trabalhava no Sul –, então posso falar com propriedade. Essas coisas irradiam de cima antes de passar por comissão técnica e atletas. O Danilo e o Fábio Santos jogavam no São Paulo na ocasião e sabem da dignidade de que estou falando.
Desculpe pela insistência no assunto: o Wlademir Pescarmona, então diretor de futebol do Palmeiras, falou que preferia perder por W.O. para o Fluminense em 2010 para atrapalhar o Corinthians. Neste caso, a dignidade não irradiou de cima?
Não quero julgar. Não tenho esse direito. Vai da consciência de cada um. Já tenho dificuldades em ser correto com os meus atletas no Corinthians, com o desempenho deles. Quero me apegar só a exemplos positivos. Tenho um orgulho muito grande da minha carreira. Olho para trás e vejo que só perdi porque me faltou competência, experiência ou o que seja, mas nunca caráter. Ah, isso, não. Houve tentações como essa em inúmeras oportunidades – e elas continuarão aparecendo –, mas seguirei ganhando e perdendo sem negociar a minha conduta.
Sua religiosidade (o técnico rodava um terço no pulso neste momento) é herança de sua mãe. Esse seu discurso ético também tem origem na família?
Tem. E a minha mãe é uma corintiana querida (risos).
Ela acompanha o seu trabalho? Vai ser mais uma torcedora a cobrar o título mundial no fim do ano?
Ela sempre quer saber o horário dos jogos do Corinthians, os adversários. Meu irmão está junto dela e ajuda em tudo. Às vezes, ela acompanha mais orando do que propriamente compreendendo o que está acontecendo em campo. O nível de conhecimento dela sobre o futebol é restrito. A minha mãe não sabe a real dimensão do Corinthians, o que é ser campeão da Libertadores. Outro dia, cheguei para ela e falei: “Mãe, muitas pessoas estão te mandando um abraço. Diversos torcedores têm um carinho enorme por ti e ficaram emocionadas quando a senhora deu algumas entrevistas”. E ela: “Mas quem? Como assim?”. Ela não percebe quão grande são essas coisas. Expliquei: “A senhora ficou famosa por causa do Corinthians”. Mas é claro que existe o carinho natural da relação de mãe e filho. Na medida do possível, ela torce por mim e me assiste pela televisão.
E você: tem dimensão do que está alcançando no Corinthians? Já é o quinto técnico que mais dirigiu o clube. Se cumprir o seu contrato até o final de 2013, passará a ser o segundo, atrás apenas de Oswaldo Brandão.
É verdade. Não é só a minha mãe. Nem eu tenho dimensão (risos)!
É possível voltar a prolongar o seu vínculo com o Corinthians ao término da próxima temporada e ultrapassar o Oswaldo Brandão?
A cultura do futebol atual não permite que um técnico fique um longo período em um clube, estou fugindo dos padrões normais. Mas acredito que mais de três anos de trabalho em um mesmo lugar é muito difícil. Há um desgaste natural. Então, é o final da minha passagem.
É o final?
Isso é natural. A relação vai desgastando. Virão outros profissionais para o Corinthians, melhores em outro momento. Da mesma maneira que será inevitável para mim, daqui a pouco, sair do clube. Não tenho a cultura do Alex Ferguson (técnico que dirige o inglês Manchester United desde 1986). O futebol brasileiro não é assim. A gente tem que compreender.
O que você almeja na provável última temporada pelo Corinthians? As expectativas ficaram muito altas depois dos títulos brasileiro em 2011 e da Libertadores 2012. Sem falar na disputa pelo Mundial do Clubes.
Tentar um bicampeonato da Libertadores é um desafio. À medida que a gente cresce, o patamar é mais elevado, mas o horizonte se expande. Vamos tentar um título regional, mais um nacional, uma Copa do Brasil paralelamente, uma Recopa Sul-americana... São muitas coisas.
Depois disso, até onde irá se expandir o horizonte para você? Futebol europeu, seleção brasileira...?
O domínio da língua é fundamental para trabalhar na Europa, então acho muito difícil ir para lá. Existe uma exigência, uma necessidade de formação diferente. Meu inglês é muito básico. Até falo italiano por ser descendente de italianos. Há algum tempo, fui para a Itália para assistir a alguns jogos e comecei a comentar em italiano com um amigo que estava junto comigo. Daqui a pouco, algumas pessoas próximas me olharam e disseram: “O italiano que você fala é de 50 anos atrás!”. O dialeto é f... (risos). Mas compreendo tudo de italiano. Já o espanhol é fácil, pois se aproxima do português. É só falar com um pouco mais de calma para ser entendido.
Ficamos, então, com clubes italianos, espanhóis, portugueses e seleções latinas como seus possíveis destinos?
O meu pensamento ainda é o Corinthians, os nossos projetos aqui. E depois...
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